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quinta-feira, 31 de maio de 2012

VEJA, LULA E GILMAR Um novo escândalo de papel

Por Luciano Martins Costa em 31/05/2012 na edição 696 do "Jornal de Debates"

O escândalo provocado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, ao procurar a revista Veja para acusar o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva de haver tentado chantageá-lo, começa a arrefecer sem produzir maiores efeitos do que o de costume: comentários para lá e para cá, manifestações de praxe dos mesmos personagens engajados em um e outro lado do Fla-Flu em que se transformou a política no Brasil.
Com relação à imprensa, a novidade nesse entrevero, comparado a outros episódios do tipo bate-boca que marcam as disputas partidárias há dez anos, é que os jornais começam a reconhecer a existência de um espaço para ações comunicacionais fora do controle das redações.
Jornalistas institucionalizados chamam essas ações de “guerrilha da militância abnegada” ou de “blogs sujos”, expressões que remetem a valores negativos em contraposição a um suposto ambiente mais “limpo” representado pela mídia tradicional.
Trata-se de uma posição arrogante e perigosa, que desconhece a verdadeira natureza das manifestações que se multiplicam na internet quando parte do público fica insatisfeita com as escolhas da imprensa. É uma clara tentativa de estigmatizar esse espaço de liberdade que caracteriza a própria tecnologia digital de comunicação, na qual as opiniões pessoais livremente expressadas podem ser agrupadas por sistemas informatizados de busca e agregação.
Credibilidade minada
A rigor, o contexto que a imprensa tradicional trata como marginal já constitui o maior complexo de informações e opiniões disponível para a sociedade e sua principal característica é o fato de não depender de uma marca, ou uma chancela, para existir e atuar no chamado espaço público.
Quanto ao estilo jornalístico que apresenta de forma predominante, não há como diferenciá-lo muito do texto praticado na imprensa tradicional, a não ser pelo fato de que costuma convergir para posições políticas distintas ou divergentes daquela que predomina nos meios institucionais.
Aliás, já não se pode usar certas expressões com o mesmo sentido, uma vez que, quando agregados, esses produtores de conteúdo quase informais dos meios digitais ganham características de instituição.
O caso presente, em que um ministro do Supremo Tribunal Federal, sentindo-se ameaçado em sua reputação por notícias especulativas sobre seu suposto envolvimento com um bicheiro e um senador acusados de crimes contra o patrimônio público, procura a imprensa institucional para se defender de ataques no espaço cibernético, pode ser inscrito pelos pesquisadores como um divisor de águas.
Claramente, o apoio incondicional e unânime da chamada grande imprensa não bastou para respaldar a atitude do ministro, que viu agigantar-se contra sua acusação um tsunami de manifestações opostas que o obrigam a recuar e permanecer em silêncio.
Pior: como o “espaço” digital é praticamente imensurável, cabem ali muito mais bits de informação do que aquilo que é abrigado na imprensa de papel, no tempo restrito da televisão e do rádio ou mesmo no espaço computacional definido pelas marcas institucionais da imprensa. Em função disso, parte da grande diversidade de observações vazou da internet para dentro dos jornais, minando a credibilidade de sua declaração até no espaço que escolheu para se manifestar.
Para os arquivos digitais
O ministro foi questionado, por exemplo, sobre as razões que o fizeram demorar um mês para dar curso à acusação contra o ex-presidente da República. Também lhe foi perguntado, publicamente, por que não foi se valer da Justiça em vez de procurar a imprensa, considerando-se que, como integrante da Corte Suprema, deveria dar o exemplo de cidadania e de confiança na instituição republicana.
Da mesma forma, ponderou-se que, se houve algum elemento de inconveniência num encontro entre um ministro do Supremo Tribunal Federal e um ex-presidente da República, a responsabilidade maior é do representante da corte, considerando-se que o ex-presidente, ainda que obrigado a certas reservas protocolares, é agora um cidadão comum que pode fazer petições ou manifestar suas opiniões sobre assuntos que considerar pertinentes.
Evidentemente, uma figura maior da República, ainda que apartado oficialmente do poder, tem sempre que guardar alguma reserva, principalmente em respeito à alta popularidade que ainda lhe confere a sociedade e considerando-se sua incontestável capacidade de influência. Mas o máximo que se lhe pode imputar é o fato de haver provocado ou aceito um encontro reservado com um dos futuros julgadores de uma questão judicial na qual tem interesse, com alto risco para controvérsias.
Na quarta-feira (30/5), os jornais ainda insistiam no esforço para levar a corner o ex-presidente. Na quinta (31), as manifestações de outras personalidades aconselham o ministro do STF a recuar, e provavelmente ele vai aparecer em breve numa foto com o ex-presidente em pose de velhos amigos.
Mas a patética tentativa da imprensa de criar uma crise institucional já está registrada para a posteridade. Em seus próprios arquivos digitais.

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