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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Entenda porque os direitos humanos são mais importantes para você do que para os bandidos

SÉRIE DE REPORTAGENS PUBLICADAS PELO DIARINHO SOBRE A "JUSTIÇA COM AS PRÓPRIAS MÃOS".
Por Vânia Campos
vania@diarinho.com.br
Publicado hoje, quarta-feira, 26 de fevereiro.
Se você é uma daquelas pessoas que enche a boca pra engrossar os discursos contra os direitos humanos, então dê uma olhada no alerta que faz o advogado Prudente José Silveira Mello, 54 anos, que é conselheiro da comissão de Anistia do ministério da Justiça. “Sem os direitos humanos, voltaríamos a viver uma época de assassinatos, prisões, repressão desenfreada, ausência de liberdade de imprensa e de expressão. Voltaríamos ao período sombrio que se viu durante a ditadura militar”, tasca sem meias palavras o advogado, que cursa o doutorado em direitos humanos da universidade Pablo de Olavide, de Sevilha, Espanha.
É algo assim: sem direitos humanos, o povão comum ficariaao Deus-dará, sem garantia nenhuma de que estaria em liberdade ou mesmo vivo toda vez que saísse de casa. Pro advogado Prudente Mello, é justamente a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aliada a outros documentos importantes como as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garantiu os direitos à greve e à organização dos trabalhadores, que formam um conjunto de regras fundamentais à busca da harmonia em sociedade, do respeito às pessoas e até mesmo da paz mundial.
Pro especialista, os direitos humanos vão além dos direitos civis e políticos de uma pessoa. “Muitas pessoas minimizam isso dizendo que direitos humanos servem pra defender bandido”, observa o doutor. Isso porque, acredita, não sabem que direito a um meio ambiente preservado, ao reconhecimento dos direitos dos idosos, da infância, ao grupo LGBT, às pessoas com deficiência, por exemplo, também são direitos humanos.
Garantia de trabalho, de educação, de lazer e de alimentação também entram na lista dos direitos humanos, reconhecida internacionalmente. “Não se pode restringir a grandeza desses direitos ao básico, como ir e vir”, diz Prudente, que se preocupa com a importância de explicar ao povão o conceito de direitos humanos.
Pro advogado de Floripa, quanto mais os direitos humanos estiverem garantidos num país, mais ele será democrático. “Democracia é processo, e você tem mais democracia se tiver mais desenvolvimento e menos desigualdade social”, completa. O contrário disso é ditadura e desrespeito às pessoas.
Por isso, cuidado. Toda vez que você repetir o discurso dizendo que “direitos humanos só protegem bandidos”, pode estar dando um tiro no próprio pé, ou melhor, assassinando seus próprios direitos.
Pra advogada, já estamos na pré-barbárie
Pra Cynthia, ou a sociedade se reinventa ou vai voltar aos tempos do olho por olho, dente por dente
“A gente já está vivendo a pré-barbárie. A sociedade está num estágio no qual ou se reinventa, transforma radicalmente seus valores, a realidade do seu sistema político e econômico, ou vamos retroceder aos tempos do olho por olho, dente por dente”. A afirmação, em tom quase apocalíptico, é da advogada Cynthia Maria Pinto da Luz, ativista dos direitos humanos com atuação nacional. Preocupada com a onda de justiçamentos que tão rolando em todo o Brasil, Cynthia entende que a sociedade está buscando a justiça pelas próprias mãos por conta do favorecimento da criminalização e da pobreza.
O problema acontece, acredita Cynthia, porque os governos não cumprem a obrigação que lhes cabe. “É um Estado ausente, um sistema injusto, ineficiente, falido, comprometido e viciado”, dispara. O resultado, segundo ela, é uma desconfiança em relação ao sistema judiciário. “As pessoas sentem que a justiça é pra poucos”, critica a advogada, que já morou em Itajaí e hoje advoga no norte do estado.
Presidenta da comissão de direitos humanos da subseção de Joinville da ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cynthia fez referência ao delegado Celso Pereira de Andrade, de Itajaí, que recentemente postou em sua conta no Facebook a frase “Foda-se os direitos humanos... é porrada e tiro em vagabundo e vida loka”. Uma manifestação que ela qualificou como “comportamento inadequado e extremamente perigoso”. “Se tipifica como apologia ao crime. Ele dá a entender que é necessário que as pessoas façam justiça com as próprias mãos. Isso é um absurdo”, critica a advogada.
Brasil assinou a declaração universal dos direitos humanos
Uma série de comentários feitos recentemente no endereço do DIARINHO no Facebook dá ideia de como uma parte significativa das pessoas interpreta o que são direitos humanos. “Direitos Humanos é o que protege a vagabundagem na cadeia”, diz um deles. De autoria do internauta Rafa Costa, esta é apenas uma entre as muitas demonstrações de completo desconhecimento das regras que servem, inclusive, pra defender as pessoas comuns de injustiças e violências.
Mas por que tanta gente ignora isso? Por um problema cultural, acredita o religioso e escritor Carlos Alberto Libânio Christo, o famoso Frei Beto. “Embora o primeiro documento sobre direitos humanos date de 1789 e a Declaração Universal da ONU tenha sido assinada em 1948, ainda hoje não alcançamos uma cultura de verdadeiro respeito a tais direitos”, avalia o intelectual, que já recebeu vários prêmios nacionais e internacionais por sua militância pelos direitos civis.
Engana-se quem acha que direitos humanos são um grupo ou ONG que protege criminosos. “Ao defender esses direitos, ninguém tá defendendo bandido. Quem erra tem que ser processado, julgado, apenado dentro das regras do Estado Democrático de Direito. Não podemos abrir mão disso”, ressalta João Paulo Bastos Tavares Gama, presidente da subseção de Itajaí da ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
O conjunto do que se chama ‘direitos humanos’ e que é previsto na Constituição do Brasil, é pra todo mundo. Do pobre ao rico, do trabalhador ao empresário, inclusive aos que cometem crimes. É como uma espécie de lei soberana em vigor nos 193 países que fazem parte da organização das Nações Unidas (ONU).
Existe até um documento chamado Declaração Universal dos Direitos Humanos (veja alguns artigos acima). Na prática, é ele que fundamenta leis que proíbem, por exemplo, que um policial entre na sua casa sem uma ordem judicial ou sem um crime em flagrante e o leve preso sem provas. Ou, então, que você ou seus parentes não sejam mortos no meio da rua pela polícia ou linchados por populares só por serem considerados suspeitos de um crime ou por terem sido confundidos com algum ladrão ou estuprador.

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